A Escuta Territorial
Os fundadores da SUR psicanálise, Jorge e Emília Broide desenvolveram uma metodologia de pesquisa e investigação qualitativa do território chamada “Escuta territorial”. No post de hoje trataremos de discutir o que é esta metodologia, para que serve e de onde veio. Sobre esta metodologia O Prof. Dr. Jorge Broide, no artigo “A Clinica Psicanalítica na cidade”, de 2019, escreve o seguinte:
“Nossa experiência clínica e de intervenção diz que é necessário “colocar o
próprio corpo”. Colocá‐lo para a escuta do outro no território da cidade implica uma
série de passagens. Estas incluem diferenças que se apresentam sem palavras e com
toda a força na transferência: diferenças de classe, ideologia, ética, estética,
segurança, arquitetura, alimentação, moda, cheiros, barulhos, sons, temperaturas,
músicas, produtos nas lojas, e na forma de andar, falar, pensar, etc. Estas explodem
em nosso corpo enquanto sensações, desejos, repulsa, curiosidade, medo, fascínio,
calor, suor, chuva, sol na cabeça, remetendo‐nos a seguinte questão central: Como
ser psicanalista nesse turbilhão de fatos e relações em um espaço onde não temos
controle e que nos remete a uma situação de fragilidade e desamparo no campo?
A rua tem cheiros, bichos, uma ética e uma estética, definitivamente fora de
nosso controle. A rua pulsa e tem, de acordo com as relações que ali se estabelecem,
distintos graus de temperatura e pressão. O território da cidade tem também 55
diferentes donos. Temos o capital — proprietário das terras, imóveis e uma parte
importante dos serviços —, os donos do tráfico, da água, do engraxar sapatos, do
roubar em determinado espaço muitas vezes alugado por metro e hora, o vender
determinado produto em tal ou qual comércio, o ponto de táxi, a banca de jornal, a
senhora que vende milho. Todos eles estão absolutamente focados nas relações que
geram a sua sobrevivência, e cada grupo ou atividade deve lutar, negociar, aceitar ou
não a outra, pactuar, etc.
Essas diferentes redes de sobrevivência se organizam, controlam, disputam e
distribuem as riquezas do espaço urbano, onde cada indivíduo conhece em detalhes
o que ocorre. É uma questão de sobrevivência, da vida e da morte. Ou seja, cada
sujeito que ali vive está absolutamente implicado naquele espaço rural ou urbano que
contém sua história, seu presente e seu futuro. Se eu quiser conhecer o território,
devo escutar esses atores. A escuta do vendedor ambulante já é na transferência, é
abrir um espaço psíquico para que fale de si, como é o seu trabalho, de onde vem, etc.
É isso o que denominamos de “escuta territorial”.”
Esta metodologia, já foi utilizada para a construção do plano Pop Rua de São Paulo (BROIDE; BROIDE; SCHOR, 2018) e no plano municipal para a Pop Rua de Porto Alegre (DORNELLES, 2012), em um processo de avaliação do impacto da “Flipinha” em Paraty/RJ, assim como em um trabalho de consultoria para a Empresa Odebrecht Properties (BROIDE; BROIDE, 2013). Este método é objeto de estudo de uma disciplina do curso de extensão do COGEAE/PUC-SP “Psicanálise nas Situações Sociais Críticas”, assim como de uma disciplina da pós-graduação da USP na IP/USP.
Para saber mais sobre a “Escuta territorial”, assistam a série do Café Filosófico, pelo instituto CPFL, que tem como curador o Professor Dr. Jorge Broide: “A psicanálise e a Cidade”:
Jorge Broide, A escuta nas Ruas:
Philip Yang, Cidades possíveis: construções coletivas
Jailson de Souza, Excluidos da cidade: potência e convívio.
Emília Broide, Desejos e poderes urbanos.
Referências Bibliográficas
BROIDE, J. A clínica psicanalítica na cidade. Psicanálise nos espaços públicos/organizado por: Emília Broide e Ilana Katz.São Paulo: IP/USP, 2019.
ESTIVALET BROIDE, E.; BROIDE, J.; SCHOR, S. M. (Coords). População de rua: pesquisa social participativa e censo, perfil demográfico e condições de vida na cidade de São Paulo. Coleção Práxis Psicanalítica. Curitiba: Juruá Editora, 2018.
__________ ; BROIDE,J. Butantã: um bairro em movimento. São Paulo; Versal, 2013
DORNELLES, A.E.; et al org. A rua em movimento: debates acerca da população adulta em situação de rua na cidade de Porto Alegre. FASC, Porto Alegre, 2012