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A supervisão como interrogante da práxis analítica: desejo de analista e a transmissão da psicanálise

  O legado freudiano é essa prática discursiva, transmitida e tecida em transferência pela associação livre em que o saber em causa é inconsciente, saber que não se totaliza nem se didatiza, não é absoluto, tampouco garante uma verdade última e única. O que se encontra em causa, na supervisão psicanalítica, é saber-se atravessado pelo discurso inconsciente.

Nesse sentido, o transmissível no dispositivo de supervisão é incapaz de transmitir-se sem resto. Resto que opera como causa de desejo e que se abre à escuta clínica: “disseram-me mais do que elas próprias sabiam ou estavam preparadas para sustentar” diz Freud, fazendo referência a algo que passou como “resto”, operou como causa de desejo, e foi transmitido na enunciação dos mestres, no dizer que salta das entrelinhas, para além dos ditos.

Interessante perceber que Freud, no ano seguinte ao seu artigo “Contribuição à história do movimento psicanalítico” (1914b), ao escrever “A pulsão e seus destinos” (1915b), também faz referência a algo do passado “um resto” que se apresenta e se intromete nas investigações científicas no presente. Ele diz que na descrição dos fenômenos objetivos realizadas pelos pesquisadores, já estão presentes ideias abstratas tomadas de algum lugar, que não exclusivamente das novas experiências.

Algo prévio, ainda não formulado pelo pesquisador, já lhe foi transmitido sem que ele próprio tenha clara consciência do que se trata; “ideias abstratas tomadas de algum lugar” que passam ainda imprecisas e amplas, servirão para fundamentar posteriores elaborações teóricas. Podemos pensar, aqui, no que passa como o transmitido intergeracionalmente.

Na experiência de supervisão deparamo-nos com as tentativas do supervisionando, ou da equipe, de bordear esse impossível de dizer. Como falar a outro sobre o que se passou durante uma sessão de análise, na escuta em um atendimento, durante a realização de um grupo ou de uma intervenção institucional? Como ser fiel ao caso, uma vez portando em si as marcas que o caso lhe causou? Por mais fiel que se busque ser há um abismo entre o vivido da experiência e o que se conta dela.

A história do caso é entremeada pelas memórias daquele que conta. A memória daquele que conta sobre um caso vacila. À lembrança de fragmentos da fala do paciente, e de sua produção, somam-se a marca daquele que escuta – suas impressões e indagações. O relato, em supervisão, não é simplesmente o repertoriar o acontecido, apresentar as evidências, narrando o que aconteceu de forma coerente e lógica. Cabe ao supervisor acolher o que ouve sem precipitar-se sobre o relato. Pois é dessa mistura de história e memória que o caso é composto na tentativa de contornar o impossível de dizer.

Situamos que o dispositivo de supervisão solicita, clama, pelo rompimento incessante com o espelho. A escuta do supervisor não é especular, não convoca a efeitos de imaginarização, não é um chamado ao júbilo, tampouco à rivalidade ou ao exercício de um poder que escoaria pelas vias da sugestão.

Dessa forma, o supervisionando, ao falar de um caso, pode falar do seu íntimo exterior, de sua ex-timidade. Pode falar do que lhe é mais estranho e, ao mesmo tempo, o lugar mais íntimo da sua fala – lá onde ele rompe com toda comunicação que pretende dizer algo, ou seja, lá onde é falado, onde o dizer irrompe na cadeia dos ditos. Algo do caso que lhe causou e o colocou em causa, na análise que conduz no grupo que coordena, no atendimento que realiza. Cabe ao supervisor acolher o que está em causa, sem a pretensão de resolver o caso.

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